09 de abril, 2007

O Santuário de Fátima recordou no dia 28 de Março o centenário do nascimento da Irmã Lúcia, falecida a 13 de Fevereiro de 2005, com um programa especial que incluiu a apresentação de algumas notas biográficas da religiosa e a celebração de uma Eucaristia, ambas na Basílica, onde os restos mortais dos três videntes se encontram tumulados. O programa terminou na Capelinha das Aparições, onde Nossa Senhora apareceu em 1917, com a recitação do Rosário.

A Basílica, no momento da Eucaristia, ficou repleta. Algumas pessoas acompanharam a celebração eucarística junto à entrada. Comungaram quase setecentos fiéis.
Presidida pelo Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, a Missa foi concelebrada por 33 sacerdotes e por outro bispo, o Emérito de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva.
Entre os concelebrantes encontravam-se o Superior-geral dos Carmelitas, P. Pedro Ferreira, o Vice-Postulador para a causa da canonização de Francisco e Jacinta, P. Luis Kondor, e o Reitor do Santuário de Fátima, Monsenhor Luciano Guerra.
O Bispo de Leiria-Fátima, evidenciou que a vidente Lúcia “foi receptora, transmissora e memória viva ao longo do século XX – como Nossa Senhora lhe dissera –, na verdade, na humildade e na discrição, ajudando ao seu aprofundamento” da mensagem de Fátima.
“Fazer memória dela (Irmã Lúcia) hoje é, pois, um convite a reconhecer no tempo presente, carregado de incertezas, temores e atentados à vida humana, o poder imenso do Amor de Deus para nos confiarmos à certeza da Sua misericórdia que salva a humanidade”, afirmou o prelado.
Um momento simbólico, depois da comunhão e antes da bênção final, teve lugar quando três crianças depositaram três jarras, que após a entrega dos dons tinham sido colocadas defronte o altar, com flores cor-de-rosa e brancas, junto dos túmulos dos Beatos Francisco e Jacinta e também junto do túmulo da Irmã Lúcia.

HOMILIA DE D. ANTÓNIO MARTO:
“MEMÓRIA VIVA” DA MENSAGEM NO SILÊNCIO CONTEMPLATIVO
          (no centenário do nascimento da Irmã Lúcia)
Passaram dois anos da morte da Irmã Lúcia. A sua memória ainda está muito viva entre nós. Hoje, no centenário do seu nascimento, queremos fazer memória, grata e cheia de afecto, da sua pessoa e da sua existência, junto do altar do Senhor. Bendito o Senhor que no-la deu e, com ela, nos deu a graça de uma particular mensagem da Sua misericórdia e do seu testemunho de vida! Foi, de facto, um admirável dom de Deus à Igreja e ao mundo. Por isso nos sentimos agraciados e nos mostramos agradecidos. Com estes sentimentos na alma, quero saudar afectuosamente a todos vós aqui presentes e a todos os que nos acompanham pela televisão.
Hoje, nesta celebração eucarística, queremos unir-nos à Irmã Lúcia na comunhão dos santos em Cristo; unir-nos ao seu face a face com o Senhor, àquele momento no qual se encontrou com a Realidade invisível que agora contempla no profundo do seu coração transformado pela graça. A sua memória transporta-nos para o mistério de Deus e da Sua Palavra que nos ilumina e inspira.
“Memória viva” da Mensagem de Reconciliação e de Paz
Partimos pois da primeira leitura da Carta aos Coríntios em que S. Paulo, de modo comovente e apaixonante, nos convida a contemplar, com assombro, o amor sem limites de Deus que joga tudo na morte e ressurreição de Cristo, para reconciliar consigo a humanidade dividida, refazer uma relação ferida ou quebrada, dar perdão e paz aos corações, recriar um coração novo e uma humanidade nova.
 Todos somos chamados ao serviço deste mistério da reconciliação no mundo. À Irmã Lúcia coube, de modo particular, receber e transmitir à Igreja e ao mundo uma mensagem impressionante do Altíssimo através de Maria, Mãe de Jesus: uma mensagem de advertência e, ao mesmo tempo, de promessa de reconciliação e de paz. No momento em que as guerras mundiais mergulhavam o século XX no fogo e no sangue, em que povos da Europa se envolviam num processo de aniquilação e de morte jamais visto e imaginado, introduzindo assim o inferno na terra, eis que Deus, através da Mãe do Seu Filho, dá sinais da Sua misericórdia: convida os homens a não se resignarem à banalização do mal e desperta a esperança através de um amplo renascimento espiritual de fervor, oração e conversão profunda dos corações.
Desta Mensagem, a Irmã Lúcia foi receptora, transmissora e “memória viva” ao longo do século XX - como Nossa Senhora lhe dissera -, na verdade, na humildade e na discrição, ajudando ao seu aprofundamento.
Fazer memória dela hoje é, pois, um convite a reconhecer no tempo presente, carregado de incertezas, temores e atentados à vida humana, o poder imenso do Amor de Deus para nos confiarmos à certeza da Sua misericórdia que salva a humanidade.
A Beleza de Deus: o coração pulsante da sua vida
O mistério do Amor trinitário de Deus no qual Lúcia foi introduzida pelo Anjo e depois envolvida, por graça especial, na aparição de 13 de Junho, fascinou-a, arrebatou-lhe o coração e tornou-se “o coração pulsante” da sua vida: mistério contemplado, amado e adorado no silêncio contemplativo e orante, desde a infância até à vida de clausura. Eis como ela o exprime no seu último livro “Como vejo a mensagem”, à longa distância de 66 dessa primeira experiência:
“Foi então que a celeste Mensageira, abrindo os braços, com um gesto de maternal protecção, nos envolveu no reflexo da Luz do imenso Ser de Deus. Foi uma graça que nos marcou para sempre na esfera do sobrenatural.
Oh! Não fosse Ela o refúgio dos pecadores, a Mãe de Misericórdia, o auxílio dos cristãos, que A tenha feito descer até nós, para introduzir-nos, Senhor, no Oceano do Teu amor, do Teu poder, do Teu imenso ser, onde essa chama ardente nos fará viver para sempre, esse mistério do amor dos Três por mim! É com esse amor, que hei-de adorar-Te, agradecer-Te, amar-Te, transformada no cântico do Teu eterno louvor” (p.44). E ainda: “Não desejo mais nada, nada mais anseio, o mistério da Santíssima Trindade é para mim o mais belo recreio” (p.57).
Palavras que valem hoje para nós, actualíssimas no momento em que no ocidente assistimos a uma “crise de Deus”, a um eclipse cultural de Deus e em que muitos cristãos perderam ou, porventura, nunca experimentaram o gosto, o sabor de Deus no coração e na vida. “À crise de Deus só se responde com a paixão por Deus”(J. B. Metz).
Eis pois a grande missão confiada à Igreja: fazer resplandecer a beleza do rosto de Deus em Cristo, manso e humilde de coração, num mundo que tanta dificuldade tem em compreendê-lo, e despertar a dimensão mística da fé para lhe dar calor e alegria.
A confiança e o amor a Nossa Senhora
O texto do Evangelho de hoje põe-nos perante uma cena cheia de ternura para todo o cristão. No momento da Sua doação na cruz, Jesus deixa-nos os melhores dons, a modo de testamento. Um deles é Maria como Mãe: “Eis o teu filho”; “Eis a tua mãe”! Isto indica um amor recíproco. Mas requer o amor do discípulo a Maria tal como Jesus a ama.
Também a Irmã Lúcia, como o discípulo João, recebeu Maria “em sua casa”, entre os bens mais preciosos, com especial afecto e devoção. Assim se exprime:
“Ver ali uma Senhora tão linda, que me diz ser do céu, senti uma alegria tão íntima que me encheu de confiança e amor; parecia-me que já nada me podia separar desta Senhora… Por certo, Ela veio por ordem de Deus, para cumprir mais uma missão, da qual Ele quis encarregá-la, trazer-nos uma Mensagem de fé, de esperança e de amor”(p. 30.31).
Neste sentido, Lúcia compreendeu muito bem a manifestação e a linguagem do Coração Imaculado de Maria para ela, pessoalmente, e para o mundo: “Todos sabemos que o coração é o símbolo do amor e da dor, receptáculo da misericórdia e do perdão”(p. 45).
De facto, Maria, a Mãe dos viventes, com o Seu Coração Imaculado sente e exprime as dores da humanidade que anseia por erguer-se e lembra aos homens que são solidários não só no mal mas também no bem e que, por isso, cada um pode trabalhar na salvação de todos com os meios visíveis ou invisíveis. Tal é o sentido do pedido da oração e do compromisso de reparação do pecado do mundo, em união com a obra redentora de Cristo.
“Por fim, o meu Coração Imaculado triunfará”: esta promessa recorda-nos a vitória da Misericórdia de que o Coração Imaculado é um símbolo humilde, mas também terno, afectuoso e atraente para conduzir o coração humano até Deus.
A alegria e o bom humor
Não queria terminar sem uma breve nota sobre o dia a dia da Irmã Lúcia. Comenta a sua então superiora Irmã Maria Celina que conviveu com ela: “Cumpria o seu dever com muita precisão e diligência. Poderia pensar-se que, tendo sido ela agraciada por tantas experiências extraordinárias que lhe foram concedidas pelo Céu, vivesse sempre fora desta vida corrente, fora da nossa órbita! … Não!”.
A Irmã Lúcia não era um extra-terrestre! Trabalhou em várias tarefas como mulher desembaraçada, inteligente, cheia de alegria e bom humor. A santidade cristã não anula a nossa humanidade. Antes embeleza-a e alegra-a!
Queremos pedir ao Senhor, nesta eucaristia, em comunhão com a Irmã Lúcia, que nos conceda servi-Lo com amor e alegria e nos dê a coragem de nos fazermos ao largo nos mares abertos da nossa história, para construirmos a civilização do Amor e da Paz a que a Mensagem de Fátima insistentemente nos chama. E peçamos também a Nossa Senhora, tão amada pela Irmã Lúcia, que nos acompanhe sempre no caminho que nos espera. Ámen!
Fátima, 28 de Março de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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